Vladimir Vladimirovitch Putin, 71, foi reeleito neste domingo (17) com números recordes por mais seis anos como presidente da Rússia. Segundo dados de pesquisa de boca de urna confirmados com a maior parte dos votos contados, ele teve cerca de 87% dos votos. O comparecimento foi de 74,2%, segundo a Comissão Eleitoral Central.
Em seu discurso de vitória de sete minutos às 23h50 (17h50 em Brasília) para o comando de campanha e ao responder a jornalistas, Putin disse que sua vitória era um sinal “de que somos todos irmãos em armas”, agradeceu aos soldados lutando na Guerra da Ucrânia e prometeu “completar os objetivos da operação militar especial, tornando o Exército mais forte”.
Putin foi questionado acerca da ideia francesa de enviar forças para a Ucrânia, repetindo que isso “colocaria o mundo à beira da Terceira Guerra Mundial”, algo “que não é do interesse de nenhum de nós”.
“Somos a favor de negociações, mas não porque o inimigo está ficando sem munição. Não vamos dar tempo para eles se rearmarem”, afirmou, sobre uma eventual conversa com Kiev. Voltou a dizer que poderia estabelecer um “cordão sanitário no território hoje controlado pelo regime de Kiev” para proteger os russos do outro lado da fronteira sob ataque, em Belgorodo, ou seja, na região norte da Ucrânia.
“O resultado da eleição vai permitir a consolidação da sociedade”, afirmou o presidente, que concorreu como independente com o apoio do partido Rússia Unida.
Não que houvesse dúvidas sobre a vitória, seja pelo real apoio de um líder que tem 86% de aprovação em sondagens independentes, seja pelas fartas acusações por parte da minguante oposição de que houve fraudes e abuso do poder político para garantir o resultado desenhado pelo Kremlin.
Até os protestos do “Meio-dia contra Putin”, que levaram muitos russos no país e fora dele a engrossar filas às 12h (6h em Brasília) para demonstrar descontentamento com a eleição a pedido dos apoiadores do falecido opositor Alexei Navalni (1976-2024), tiveram um grau de previsibilidade.
Ocorreram sob forte escolta policial, mínimos incidentes e, a acreditar na comissão e na boca de urna, sem impacto no resultado final. Putin disse que o ato “não teve efeito” e criticou pessoas que vandalizaram urnas e cédulas. “Essas pessoas atrapalharam o direito de outras de votar. Que tipo de democracia é essa? São ofensas criminais e serão tratadas assim”, afirmou.
Segundo o instituto estatal FOM, Putin teve 87%. Para o também oficial VTsIOM, 87,8%. Atrás dele, com algumas variações, vieram três deputados que cumpriam tabela, o comunista Nikolai Kharitonov, com 4,7%, o liberal Vladislav Davankov, com 3,6% e o ultranacionalista Leonid Sluski, com 2,5%.
O comparecimento ficou acima dos então recordistas 67,7% de 2018. A divisão da votação principal em três dias facilitou o impulso, com empresas incentivando funcionários a ir às urnas.
Apesar do franco favoritismo de Putin mesmo que a eleição fosse na Dinamarca, país menos corrupto do mundo segundo a Transparência Internacional, medidas foram tomadas para garantir um passeio no parque.
Elas incluíram a exclusão de duas candidaturas abertamente críticas às políticas do Kremlin e, no dia da votação, grande presença policial junto às filas que se formaram em postos de votação de cidades como Moscou, São Petersburgo e Iekaterimburgo.
Segundo os críticos do governo russo —que operam de forma virtual, pulverizada e, hoje, em sua maioria, no exílio—, a isso foram adicionadas fraudes paroquiais, como o enchimento de urnas com votos para Putin. A possibilidade de voto pela internet em 27 das 83 unidades da Federação Russa, usada por quase 10% dos 85 milhões que foram às urnas, também é apontada como suspeita.
O Kremlin descarta as acusações como propaganda, e de resto o resultado será desdenhado de qualquer modo no Ocidente. Uma das maiores votações de Putin foi na região ocupada de Donetsk, na Ucrânia: 95%.
“É óbvio que as eleições não foram nem livres, nem justas”, disse em nota a Casa Branca. “O ditador russo simulou outra eleição”, afirmou o presidente ucraniano,Volodimir Zelenski.
Seja como for, o fato incontornável é que o homem que comanda o maior arsenal nuclear do mundo e promove a maior guerra em solo europeu desde 1945 sela com a vitória grandiloquente um momento positivo em seus quase 25 anos de poder.
Putin, um ex-tenente-coronel da KGB soviética chamado de medíocre por um superior e posteriormente diretor de sua agência de espionagem sucessora, o FSB, entrou no alto escalão do poder em 9 de agosto de 1999, quando o então presidente Boris Ieltsin o nomeou premiê.
Era o ocaso de uma era que não deixou saudades na Rússia. A dissolução da União Soviética em 1991 levou a uma abertura econômica desenfreada, que destruiu vidas em seu auge de crise, sete anos depois. Daquelas ruínas emergiu Putin, personagem então obscuro decidido a recompor o status do país.
Nos 8.988 dias que se seguiram até esse domingo, toda uma geração de russos nasceu sem conhecer outro presidente, a exemplo do que ocorria nos tempos imperiais e, de forma mais contida, sob o comunismo implantado em 1922.
Em 2028, se estiver no seu gabinete, Putin ultrapassará os 29 anos de ditadura soviética sob Josef Stálin (1878-1953), tornando-se o mais duradouro líder russo moderno.
Putin foi premiê naquele 1999, até o alquebrado e embriagado Ieltsin renunciar no réveillon e lhe deixar a cadeira. Foi eleito em 2000 e 2004 e, e em 2008, voltou para o banco nominalmente do passageiro como primeiro-ministro do governo do pupilo Dmitri Medvedev.
Apesar de Putin já ter direcionado em 2007 sua visão estratégica para um embate com o Ocidente que ele via como traidor das promessas do fim da Guerra Fria, não totalmente sem razão, a Rússia se reergueu com a ajuda dos preços do petróleo e gás, sua fonte de vida econômica.
O país se assemelhava a uma democracia ocidental na superfície, com a alternância controlada do poder, apesar de ter dado o primeiro tiro de advertência para a expansiva Otan [aliança militar liderada pelos EUA] ao promover uma guerra que tirou do controle da Geórgia 20% de seu território.
Putin voltaria eleito em 2012, enfrentando os primeiros grandes protestos contra seu jugo —foi ali que primeiro se ouviu falar de Navalni, que nunca teve densidade eleitoral nacional, mas que ganharia manchetes cinco anos depois ao comandar enormes atos mobilizados pela internet.
Falando a jornalistas neste domingo, Putin confirmou que havia autorizado trocar Navalni por russos presos no Ocidente, sem detalhar —relatos afirmavam que um assassino de aluguel preso na Alemanha estava no topo da lista. “Ele morreu, é sempre triste. Mas eu disse que ele não devia ter voltado à Rússia [de seu tratamento por envenenamento em Berlim, em 2021], disse.
Após os atos de 2012, começou então um recrudescimento do controle do governo sobre o sistema político e o acirramento da disputa com o Ocidente. Quando Kiev viu derrubado um presidente pró-Rússia em 2014, Putin anexou a Crimeia e fomentou a guerra no leste da Ucrânia.
Em 2018, houve uma “détente” provisória promovida pela Copa do Mundo bem-sucedida da Rússia. Dali em diante, a repressão ao dissenso só fez crescer.
Em 2020, o presidente mudou a regra do jogo na Constituição para poder concorrer a mais dois mandatos, devidamente submetendo a manobra a um plebiscito que, previsivelmente, aprovou-a. Tornou-se aliado íntimo da China de outro homem forte, Xi Jinping, ganhando apoio econômico sob o risco de ser um parceiro júnior.
E em 2022 invadiu a Ucrânia, principal ato de seu reinado, cujo impacto vai se espraiar por gerações —independentemente do desfecho do conflito. A demografia declinante segue um desafio sem solução simples.
Em um momento de vantagem tática no campo, apesar de ter visto sua capital ser alvejada sem sucesso por drones neste último dia de eleição e ao menos uma pessoa morrer em bombardeiros em Belgorodo (sul), Putin irá agora usar a vitória acachapante como item legitimador de seus próximos passos.
Quais serão é a incógnita, que inclui ainda as dúvidas acerca de como reanimar a economia que saiu-se bem sob a pressão de quase 20 mil sanções devido às suas políticas na Ucrânia, mas que sofre para elevar a renda média dos russos.
A turbulência inédita pela qual passou com motim de mercenários no ano passado deixou marcas, mas parece superada. Por ora, conversas sobre sucessão são evitadas: Putin é visto por agentes políticos e diplomáticos como um czar que ficará no poder além de 2036, limite teórico se for reeleito em 2030.
Fonte: Folha Sp
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